Interpretação de textos

Letrado não é aquele que decodifica uma mensagem: letrado é o indivíduo que lê e compreende o que lê. No Brasil, infelizmente, grande parcela da população sofre com o analfabetismo funcional, que nada mais é do que a incapacidade que um leitor tem de compreender textos — inclusive os textos mais simples — de gêneros muito acessados no cotidiano.

O analfabeto funcional não transforma em conhecimento aquilo que lê, pois sua capacidade de interpretação textual é reduzida. Ao contrário do que muitos pensam, o problema atinge pessoas com os mais variados níveis de escolaridade, e não apenas aqueles cuja exposição ao estudo sistematizado foi reduzida. Para que você possa aprimorar sua capacidade de interpretação, o sítio de Português elaborou algumas dicas que vão te ajudar a alcançar uma leitura proficiente, livre de quaisquer mal-entendidos. Boa leitura e bons estudos!

Cinco dicas de interpretação de textos

Dica 1: Livre-se das interferências externas

Sabemos que nem sempre é possível ter a tranquilidade desejada para estudar, ainda mais quando somos obrigados a conciliar várias atribuições em nossa rotina, mas sempre que possível, fique livre de interferências externas e escolha ambientes adequados para a leitura. Um ambiente adequado é aquele que oferece silêncio e algum conforto, afinal de contas, esses fatores influenciam de maneira positiva os estudos. Ruídos e interferências durante a leitura reduzem drasticamente nossa capacidade de concentração e, consequentemente, de interpretação.

Dica 2: Sempre recorra a um bom dicionário

Quem nunca precisou interromper a leitura diante de um vocábulo desconhecido? Essa é uma situação corriqueira, mesmo porque o léxico da língua portuguesa é extenso. É claro que desconhecer o significado de algumas palavras pode atrapalhar a interpretação textual, por isso, o ideal é que você, diante de um entrave linguístico, consulte um bom dicionário. Na impossibilidade de consultar um dicionário, anote a palavra para uma consulta posterior. É assim que um bom vocabulário é construído, e acredite: ele sempre estará em construção, pois estamos constantemente em aprendizado.

Dica 3: Prefira a leitura no papel

Sabemos que a tecnologia nos oferece diversos suportes que facilitam e democratizam a leitura e que os livros digitais são uma realidade. Contudo, sempre que possível, opte por livros ou documentos físicos, isto é, impressos. O papel oferece a oportunidade de ser rabiscado, nele podemos fazer anotações de maneira rápida e prática, além de ser a melhor opção para quem tem dificuldades de interpretação textual.

Dica 4: Faça paráfrases

A paráfrase consiste em uma explicação livre e desenvolvida de um fragmento do texto e também dele completo. Ao ler um parágrafo mais complexo, você pode fazer uma pausa para tentar explicá-lo com suas próprias palavras: isso facilitará a compreensão e a assimilação daquilo que está sendo lido.

Dica 5: Leia devagar

Ler apressadamente é um exercício que dificilmente transformará informação em conhecimento. O cérebro precisa de tempo para processar a leitura, por isso, evite ler em situações adversas. Uma leitura feita com calma permitirá que você retome parágrafos — e poucas coisas são mais eficientes para a interpretação textual do que a releitura —, consulte o dicionário e faça paráfrases e anotações, ou seja, todas as dicas anteriormente citadas dependem, sobretudo, dessa leitura cuidadosa.


por: Luana Castro Alves Perez
http://portugues.uol.com.br/redacao/interpretacao-textos.html


Transição

Transição

É tempo de mudança,
Equinócio de outono,
O sol arrefece os dias,
O verão enfim descansa.
Ao desnudar-se na estação,
Em tranquilo desfolhar-se,
De dourados crepúsculos enfeitada,
Fica a árvore nua...
Em completo abandono.

Há beleza e há melancolia
No amarelado das folhas que caem,
 E levadas pelo vento, ou não,
Apodrecem e nutrem a terra,
Depois de rendar o chão.

São mais longas as noites...
São mais curtos os dias...
Na inclemência do frio,
 Aguarda, a árvore, paciente,
O equinócio da primavera
Que irá vesti-la lindamente
De flores,
Cores,
Com fartura de broto macio.

Ressurge a nua árvore,
Inda mais bela!
.E dos ninhos dos pássaros,
Das criaturas novas,
Ouvir-se-á o balbucio.

Odenilde Nogueira Martins




Horizontal

Ah! Esta vida na horizontal,
Tão sem charme, tão tediosa, tão igual!
Na inércia do tempo que corre,
Melhor ser folha solta,
E o vento a chibata bondosa
Que de leve chega e açoita,
Faz rolar por entre as pedras,
Sobre o chão úmido,
Por terras tantas!
Folha se faz,
Encharcada, pela chuva perfumosa.

No correr das horas modorrentas,
Levada como um raminho,
sentindo o fim que se aproxima,
E antes que limo se crie,
Possa ter, finalmente!
O repouso... Em ninho de passarinho.


Odenilde Nogueira Martins

Acaso - poema - Odenilde Nogueira Martins

 Se por acaso, o acaso nos juntar,
livremo-nos do mal amado,
das verdades estereotipadas,
desilusões ornadas do pode não pode puritano,
nascente de todos os desenganos,
inventadas nem sabemos por quem!

Se por acaso, o acaso nos tramar,
existamos!
E de lado fiquem as reticências...
Que o tempo é nosso, mintamos!

Regidos pelo princípio do prazer,
das emoções do inconsciente,
que prevaleça o id freudiano,
olvidemo-nos da castradora prudência.

Ouça!Lá fora o tempo passeia!
Vale a vontade transparente,
corpo, matéria, alma, sentimento
e com arte, use-se os engenhos,
ditados pela saudade urgente!

Beijo sôfrego, abraço ansioso,
dimensão única...
à razão alheia toda a paixão,
dor esquecida, acaso auspicioso.
Roupas pelo chão espalhadas
Na pressa, dos corpos sequiosos.

Se por acaso, o acaso traiçoeiro
em nós, amantes, plantar a despedida,
sigamos! Sem prevenção!
Esqueçamos de quaisquer ofícios,
antes que eles nos matem,
que se calem!
Depois! Só depois, haverá o adeus,
a saudade,
a ausência dolorida.

Odenilde Nogueira Martins.

Eu lírico

Você sabe o que é eu lírico? Existem outras denominações, como eu poético e sujeito lírico, mas o termo mais conhecido e divulgado é este: eu lírico. Esse termo designa uma espécie de narrador do poema, e assim seria chamado se não estivéssemos falando dos textos literários, sobretudo do gênero lírico. Quando você lê um poema e percebe a manifestação de um “eu literário”, aquela voz, aquela personagem presente nos versos, não é necessariamente o autor real do poema.

É preciso compreender a diferença entre o poeta e o eu lírico. Não devemos confundir a pessoa real com a entidade fictícia. Claro que o poema não está isento da subjetividade de seu criador, mas no momento da escrita uma nova entidade nasce, desprendida da lógica e da compreensão de si mesmo, fatores que nunca abandonam quem escreve os versos (autor/poeta).Observe a construção do eu lírico na canção de Chico Buarque:

“Se acaso me quiseres 
Sou dessas mulheres que só dizem sim
Por uma coisa à toa 
Uma noitada boa 
Um cinema, um botequim 
E se tiveres renda 
Aceito uma prenda 
Qualquer coisa assim 
Como uma pedra falsa 
Um sonho de valsa 
Ou um corte de cetim 
E eu te farei as vontades 
Direi meias verdades 
Sempre à meia luz 
E te farei, vaidoso, supor 
Que és o maior e que me possuis 
Mas na manhã seguinte 
Não conta até vinte, te afasta de mim 
Pois já não vales nada 
És página virada 
Descartada do meu folhetim”.

(Folhetim – Chico Buarque)

Em algumas canções de Chico Buarque (vide Com açúcar, com afeto; Atrás da porta, Iolanda, Anos Dourados, Teresinha, Palavra de mulher e tantas outras), um exemplo claro de manifestação do eu lírico. No caso das canções citadas, o eu lírico fica ainda mais evidente, pois a despeito do poeta, nos versos temos a presença de um eu lírico feminino, que retrata diversos temas sob o ponto de vista das mulheres. Não fica claro, então, que o poeta e o eu lírico são elementos diferentes no gênero lírico?

Podemos concluir que o eu lírico é a voz que fala no poema e nem sempre essa voz equivale à voz do autor, que pode vivenciar outras experiências, que não as do poeta (como fica claro na canção Folhetim, de Chico Buarque). O eu lírico é o recurso que possibilita a criatividade do autor. Já pensou se ele não existisse? Estaria eliminada a criatividade dos sentimentos poéticos. Graças a esse importante e interessante elemento, os sentidos são pluralizados, o que torna os textos poéticos tão peculiares e belos.


http://portugues.uol.com.br/literatura/eu-lirico.html

Dicas



1: Para mim fazer ou para eu fazer?

Basta pensar que mim é um pronome pessoal oblíquo, portanto,não pode exercer função de sujeito em uma oração. O mim não faz nada, certo? O correto é para eu fazer.

2: Menas ou menos?

A forma menas simplesmente não existe.

3: Como se diz, quatorze ou catorze?

Opte por qualquer uma das formas, pois ambas estão corretas.

4: São uma hora da tarde ou é uma hora da tarde?

O verbo ser deve concordar com as horas, portanto, “é uma hora da tarde”, “são duas horas da tarde” e assim por diante. Lembre-se de que “são doze horas”, mas se for substituir o “doze horas” por “meio-dia”, então será “é meio-dia”.

5: Está fazendo zero graus ou está fazendo zero grau?

Se o zero é singular, devemos, pois, atentar-nos à concordância. O correto é “zero grau”, no singular.

6: Anexo ou em anexo?

Dizer que algo está em anexo é o mesmo que dizer que algo está anexado, portanto, a palavra deve concordar com o substantivo a que se refere:

Anexas seguem as promissórias.

Anexo segue o recibo.

Os documentos solicitados estão anexos.

Em anexo é uma forma invariável, portanto, não vai para o feminino e nem para o plural:

Em anexo, seguem as promissórias.

Em anexo, segue o recibo.

Em anexo, seguem os documentos solicitados.

7: Seje ou seja?

Não existe a forma seje, tampouco esteje. No presente do subjuntivo, os verbos ser e estar são seja, esteja e tenha.

8: Ela sempre quiz ou ela sempre quis?

Lembre-se: quiz, com z, não existe! O certo é quis, pois o som /z/ na conjugação do verbo querer deve ser grafado com “s”: quisera, quiseram, quiseste, etc.

9: Houveram muitos desentendimentos ou houve muitos desentendimentos?

Quando ao verbo haver for atribuído o sentido de existir ou acontecer, ele é impessoal, isto é, sem sujeito, portanto, só pode ser usado no singular. O correto é “houve muitos problemas”.

10: Degraus ou degrais?

Só existe uma forma correta para o plural da palavra degrau, e essa forma é degraus. A terminação -ais deve ser empregada apenas nas palavras terminadas em -al, como canais, animais, anuais etc.

Gêneros textuais

Os gêneros textuais cumprem uma importante função social quando o assunto é comunicação. Embora sejam muitos, apresentam peculiaridades que nos permitem identificá-los.

Você já se deu conta da infinidade de situações comunicacionais às quais somos expostos ao longo de nossa vida? Nem precisa tanto, pois durante um único dia podemos estar envolvidos em diferentes contextos e ambientes que exigem de nós um comportamento linguístico específico. A linguagem é um dos mais eficientes meios de comunicação, pois ela nos permite interagir com pessoas, assim como alterar nosso discurso de acordo com as necessidades do momento.

Dessa constante necessidade que o ser humano tem de interagir e comunicar-se com o outro, surgiram os gêneros textuais. Os gêneros textuais não podem ser numerados, visto que variam muito e adaptam-se às necessidades dos falantes. Mesmo que não possamos contá-los, é possível observar que eles possuem peculiaridades que nos permitem identificá-los e reconhecê-los entre tantos outros gêneros. Entre as características dos gêneros textuais estão a apresentação de tipos estáveis de enunciados, além de estruturas e conteúdos temáticos que facilitam sua definição.

Veja agora alguns exemplos de gêneros textuais:

*Artigo

*Crônica

*Conto

*Reportagem

*Notícia

*E-mail

*Carta

*Relatório 

*Resumo

*Resenha

*Biografia

*Diário

*Fábula

*Ofício

*Poema

*Piada

Diferentemente dos tipos textuais, que apresentam uma estrutura bem definida, além de um número limitado de possibilidades (podem variar entre cinco e nove tipos), os gêneros textuais são diversos e cumprem uma função social específica. Além disso, os gêneros podem sofrer modificações ao longo do tempo, embora muitas vezes preservem características preponderantes. Como exemplo dessa “evolução”, temos a carta, que depois do advento da tecnologia foi transformada no e-mail, meio de comunicação que substituiu o papel, a caneta e a necessidade de postagem pelos correios, visto que pode ser recebido instantaneamente pelo destinatário. Contudo, alguns elementos linguísticos foram preservados, como as saudações, o remetente e, claro, o destinatário.

Os gêneros são utilizados todas as vezes que os falantes estão inseridos em alguma situação comunicativa. Ainda que inconscientemente, selecionamos um gênero que melhor se adapta àquilo que desejamos transmitir aos nossos interlocutores, sempre com a intenção de sobre ele obter algum efeito. Seja no bilhetinho deixado na porta da geladeira, seja nas postagens feitas nas redes sociais ou até mesmo nas piadas que contamos para os nossos amigos, os gêneros estão lá, trabalhando a serviço da comunicação e da linguagem.

Fonte:http://portugues.uol.com.br/redacao/generos-textuais.html 

Vírgula

O processo criativo por JAIRO SIQUEIRA


O processo criativo por JAIRO SIQUEIRA em CRIATIVIDADE, TÉCNICAS E FERRAMENTAS

Algumas pessoas veem a criatividade como uma atividade relativamente não estruturada de pular em torno de ideias até se deparar com a ideia certa. Embora isto funcione para algumas pessoas, muitas situações da vida real requerem uma abordagem mais estruturada. A liberdade para experimentar é essencial para a criatividade, como também alguma disciplina para assegurar objetividade e consistência.

Seja qual for o nível de estruturação adotado, o processo criativo se fundamenta em três princípios: Atenção, Fuga e Movimento. O primeiro princípio nos diz: concentre-se na situação ou problema; o segundo: escape do pensamento convencional; o terceiro: dê vazão à sua imaginação. Estas três ações mentais formam uma estrutura integrada em que se baseiam todos os métodos de pensamento criativo. As diferenças entre os diversos métodos encontrados na literatura especializada estão na ênfase dada a cada um destes princípios e nas ferramentas usadas. As definições destes três princípios são parcialmente inspiradas no trabalho de Paul E. Plsek (Creativity, Innovation and Quality, ASQ Quality Press).
ATENÇÃO

A criatividade requer que primeiro concentremos nosso foco em algo, um problema ou uma oportunidade. Ao nos concentrarmos, preparamos nossa mente para romper com a realidade existente e se abrir para a percepção de possibilidades e conexões que normalmente não enxergamos.

Se estivermos explorando oportunidades, voltamos nossa atenção para o que não funciona ou pode ser aperfeiçoado:

*o que é difícil e complicado e pode se tornar fácil e simples;
*o que é lento e pode se tornar rápido, ou vice-versa;
*o que é pesado e pode se tornar leve e portátil;
*o que é instável e pode se tornar estável e confiável;
*o que está separado e pode ser combinado e unificado, ou vice-versa;
*muitas outras possibilidades em que usualmente não prestamos atenção.

Até 1980, a indústria de computadores dirigia sua atenção para a máquina, como torná-la mais potente. Apple e Windows focaram sua atenção no usuário, em como tornar o computador mais acessível e mais amigável, revolucionando toda a indústria de informática.

Se estivermos analisando um problema, concentramos nossa atenção para compreender melhor a situação, suas diferenças e similaridades com outras situações conhecidas, as peculiaridades do problema analisado e suas possíveis causas. Tentamos entender a situação, procurando respostas para as seguintes questões: O que está acontecendo? Onde? Como? Quando? Por quê? Quem está envolvido?

Tanto no caso de exploração de oportunidades, quanto no caso de solução de problemas, devemos ficar atentos aos paradigmas, aos sentimentos e às suposições que podem estar atuando sobre nossa percepção e entendimento da situação.

A verdadeira viagem do descobrimento não consiste na procura de novas paisagens, mas em ter novos olhos – Marcel Proust.

FUGA

Tendo concentrado nossa atenção na maneira como as coisas são feitas atualmente, o segundo princípio do processo criativo nos chama a escapar mentalmente dos nossos atuais modelos de pensamento. É a hora de refletir sobre os nossos bloqueios mentais e derrubar as paredes que limitam nossa imaginação ao que sempre fizemos, ao que é confortável e seguro.

A verdade é que os hábitos, mais do que nossas habilidades, predominam na escolha de nossos caminhos. Tendemos a trilhar sempre o mesmo vale, que se torna cada vez mais profundo e mais difícil de escapar.

Você não pode resolver um problema com a mesma atitude mental que o criou – Albert Einstein.

MOVIMENTO

Simplesmente prestar atenção e escapar do modelo de pensamento atual não é sempre suficiente para gerar ideias criativas. Movimento, o terceiro princípio nos leva a continuar a exploração e combinação de novas ideias. É o momento de dar asas à imaginação e gerar novas alternativas, sem perder de vista os propósitos do processo criativo. É o momento de fazer conexões insólitas, de ver analogias e relações entre ideias e objetos que não eram anteriormente relacionados.

O conhecimento destes três princípios abre o caminho para o entendimento dos diversos métodos e técnicas de criatividade encontradas nos livros. As técnicas existentes têm a finalidade de nos auxiliar em pelo menos um dos três princípios. Diferentes métodos resultam da diferentes combinações destas técnicas. Dominando os três princípios,Atenção, Fuga e Movimento, você pode criar o seu próprio método, selecionando, combinando, ou mesmo criando as técnicas e ferramentas que mais se adaptam à sua personalidade e preferências. Você também pode adequar métodos e técnicas ao problema específico que você está enfrentando.

O quadro abaixo resume os três princípios e apresenta um checklist do que você deve considerar na montagem de suas técnicas de criatividade.

Processo criativo
Fonte: http://criatividadeaplicada.com/2007/02/10/o-processo-criativo/


O processo criativo na literatura: opinião

A maior dificuldade enfrentada por quem tenta elaborar algumas palavras sobre O processo criativo na escrita literária é, certamente, definir para si, algo indefinível. Uma questão que se arrasta pelos séculos: afinal, o que é literatura?

Esta pergunta pode ser respondida de diversas formas. Provavelmente todos presentes no auditório sabem o que não é literatura. Mas quando nos aproximamos das margens, dos limites daquilo que claramente é literatura, nos deparamos com muitíssimas dúvidas, aporias terríveis. Sinto-me como Jorge Luis Borges, que inquirido sobre poesia disse: "... trago uma citação de Santo Agostinho, que a meu ver, vem bem a calhar. Disse ele: 'O que é o tempo? Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei". Sinto o mesmo em relação a poesia." Esta para mim é a melhor definição sobre literatura.

Dito isto, sabendo que literatura não é algo facilmente delineável, chegamos a outro problema colocado: cada escritor tem um processo criativo particular. Há os que necessitam de silêncio absoluto e um mínimo de intervenção externa, e há os que podem escrever por horas em meio ao caos da praça de alimentação de um shopping. Há aqueles como Chico Buarque, que escrevem "rascunhos, esboços, ideias esparsas, no computador ou em qualquer papel ao alcance da mão. Quando o livro já está encaminhado, escrevo no computador, imprimo, leio, risco, rasuro, anoto, volto ao computador, imprimo, leio e assim sucessivamente. Reescrevo tudo inúmeras vezes...". Ou seja, aqueles que suam infinitamente em cima do papel. Aqueles que deixam que a estória surja enquanto se escreve; por outro lado há aqueles que concebem toda a estória previamente em pensamento, e premeditam todos os passos a serem seguidos antes de encararem a folha em branco na tela do computador. Sabe-se que J.R.R. Tolkien agia assim. Eu, por exemplo, começo sempre pelo fim, de forma que escrevo sempre o último capítulo do livro, ou a última estrofe do poema, no início de todo o processo criativo. Quando o final está claro para mim, é que o começo tem lugar para desenrolar-se. 

E isto, apesar de não parecer muito importante, apresenta-se crucial na minha opinião. Compartilho da opinião de Edgar Allan Poe, grande poeta e contista estadunidense que um bom conto deve ser lido de uma vez só, em duas horas no máximo. Para isto é necessário que o texto mantenha-se cativante da primeira à última página. Apenas um texto que mantenha uma coerência tensa - e quase esgarçada - pode prender o leitor até o seu final com o mesmo prazer do contato inicial. Por isso escrevo para que os capítulos não possam ser deixados pela metade. O leitor não deve - e ai de mim se conseguir - parar ao fim de um parágrafo qualquer para dormir. Se eu for feliz em meu intento, ele irá até o fim do capítulo, ansioso por logo dormir e logo voltar a ler o próximo capítulo. Meu capítulo é o conto de Poe.

Claro, porque considero que a felicidade da escritora ou do escritor, está ligada ao fato de que seus livros sejam avidamente lidos, até o seu final. Isto é sinal de que não escreveu em vão. Peço licença para contar uma estória que certamente vocês já conhecem: os contos das 1001 noites. 

Nesta estória persa, Sheherazade (não confundir com aquela moça que entende que pessoas sejam amarradas a postes) é uma moça de extrema beleza e inteligência que cativa o poderoso rei Shariar. Acontece que o rei Shariar havia sido traído por sua esposa e tornara-se um paranoico femicida, casando sempre com uma esposa à noite e tirando-lhe a vida de dia. Conheceu Sheherazade três anos depois que iniciou sua jornada genocida (num rápido cálculo matemático podemos perceber que 1095 mulheres perderam suas vidas) e decidiu que ela seria a próxima. Entretanto, com astúcia,Sheherazade começou a contar um conto a sua irmã mais nova, perto do rei. Num primeiro momento, Shariar aborreceu-se, mas em seguida interessou-se pela estória, querendo saber tudo. Quando estava quase amanhecendo, Sheherazade calou-se e disse que apenas continuaria a estória no outro dia. O rei não conseguia matá-la enquanto não soubesse o fim do conto. Assim ela, noite após noite, adiava a sua morte, e encantava o cruel rei. Claro que o rei encontrara espaço, em meio aos contos dela, para consumar o casório, e ela deu a luz a três filhos. Assim, depois de 1001 noites (e 1001 contos)Sheherazade conseguiu mostrar ao rei seus filhos e 'amoleceu' o seu coração. Viveram felizes para sempre. Claro que isto é um grosseiro resumo.

O importante aqui - relevemos o fato do tirano genocida acabar a estória como herói merecedor de um final feliz - é percebermos que Sheherazade é a imagem do escritor. Sempre que um leitor interrompe um livro pela metade e não chega ao seu final, mata o autor, mesmo que não saiba. Todo o processo literário, toda a escrita, é um processo de sedução, em que o autor implora ao leitor que não o mate, que não feche o livro antes de terminá-lo, que vá até o final da estória. É óbvio que todos já fechamos algum livro antes de acabá-lo, deixando-o pela metade, ou nem isso. Mas não precisamos alardear aos quatro ventos, pois assim matamos o escritor mais um pouquinho.

E todo escritor é, como Sheherazade, um contador de estórias. E nada pior para um contador de estórias que a falta de uma audiência. E a forma como se conta a estória é o que cativa, ou não, os leitores. Por isso é que, no processo criativo, mais do que saber o que se vai contar, é importante saber como é que se vai contar.

E a formação de uma audiência só é plena quando os audientes também contam estórias, pois todo bom contador de estórias é um bom audiente, porque gosta de estórias, porque sabe o que é uma boa estória. E é isso que penso sempre que alguém diz: "o Brasil é um país de poucos leitores". É de poucos leitores porque é de poucos escritores, e é de poucos escritores porque é dificílimo contar estórias para um público que não se permite contar estórias. É um círculo nefasto. Aqui estamos nós, às tantas da noite, dezenas de pessoas, e quantas se permitem contar estórias num pedaço de papel? E por quê? Precisamos colocar as estórias que queremos contar no papel. Mais do que vir até aqui para dizer que leiam, venho para dizer: escrevam, escrevam e escrevam!

Há um poema de Vinícius de Moraes que chama-se O Dia da Criação, em que ele conclui - depois de um ir e vir fantástico - que Deus deveria ter descansado no sábado, e assim não teria criado o homem, e o mundo seria perfeito. Claro que era uma brincadeira de Vinícius, que amava a vida, e não desejava não nascer. Mas o fato é que, em qualquer mito criacionista, de qualquer religião, o homem é sempre uma fonte de desgosto para o criador (ou os criadores). Sempre indo de encontro aos ideais de bondade, fraternidade e amor. Por quais motivos então, estes seres poderosíssimos nos deram vida? Se levássemos o criacionismo à sério, poderíamos afirmar que Deus precisava contar uma estória, e os animais são audiência muito desatenta e calada. 

Deus criou sua audiência e logo escreveu um livro; e o escritor brinca de Deus quando escreve em busca de alguém que lhe leia. Cria gente para que outra gente se encante e passe adiante a mania eterna de contar estórias e criar gentes. 


(Escrito por Yuri Pires - pernambucano, natural de Recife, radicado em São Paulo desde 2011. Estudante de Letras da Universidade de São Paulo (USP), cursou História na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) até o penúltimo ano, no entanto, não graduou-se. É autor de "O Homem e o seu Tempo" (editora Chiado) que será lançado em Dezembro em todo o Brasil e em Portugal. É ainda estudioso das relações entre futebol e literatura.)

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A primeira delas é o processo discursivo como formador do “eu” narrativo. Responde à seguinte pergunta: Por que escrevo? Aqui, temos algumas opções de escolha: gênero, tema, apelo do público e da época. O autor delineia o leitor a quem quer se dirigir e pré-formaliza o conteúdo da mensagem.

A outra etapa do processo criativo é abordar o aspecto instrumental da palavra. São os meios, que atendem às questões prosaicas da escrita: à mão, à máquina ou no computador? Lápis ou caneta? Tudo isso tem a ver com o conforto físico, a ergonomia, a serenidade, a economia de tempo. Responde à seguinte pergunta: Como escrevo”?

É fundamental haver um projeto para uma obra. Mesmo que o autor deixe a história fluir espontaneamente, há que haver um plano. Começo, meio e fim. Receita? Não existe. O processo criativo funciona diferentemente para pessoas diferentes.
Clarice Lispector escrevia com a máquina no colo.
Hemingway escrevia em pé. Immanuel Kant também.
Gabriel García Marquez primeiro fazia ponta em uma dúzia de lápis, antes de começar a escrever.
Mas há pressupostos para a produção literária. Os dois mais importantes: correção ortográfica e técnica adequada.

DEPOIMENTOS

Para Moacir Scliar, da Academia Brasileira de Letras, o processo do fazer literário, como é atividade consciente, envolve método, procedimento e rotinas.

Ignácio de Loyola Brandão, da Academia Paulista de Letras: “Escritores são pessoas maníacas e obcecadas. Quando estão produzindo alguma coisa, comem, dormem, bebem e transam com o texto. Só o texto importa, nada mais. Por instantes, escritores vivem. Depois, por instantes escrevem. Em que ponto vida e escritura se separam e onde se mesclam, se confundem, quando não sabe mais o que é vida ou literatura? Na verdade, literatura é vida e vida é literatura.”

Adélia Prado, poeta: “Eu escrevo e não sei como é que surge, não. Desejo expressar aquilo. Quando vou fazer um texto, a minha única preocupação é a fidelidade absoluta ao que estou sentindo.
(...) Rigorosamente falando, o texto não é meu. (...) Não sou dona nem dou ordens à poesia, sou serva dela e ela simplesmente se escondeu.

Amadeu de Queiroz, romancista e pesquisador: “Logo que imagino um romance, crio os seus personagens e, antes do mais, faço uma relação de todos eles, com os nomes e as características de cada qual. Assim os personagens começam a existir desde logo. Vão adquirindo personalidade... (...) Quer saber de uma coisa? Quando escrevo, procuro imitar o incrustador que, aos pedacinhos, faz o admirável conjunto de sua obra.”

Autran Dourado, romancista: “Em geral, organizo o livro antes de estar pronto. Quando me vem uma ideia súbita, minha tendência inicial é correr para casa, sentar e escrever. Por isso, onde eu estiver, ando sempre com um caderninho no bolso. Planejo, tomo notas, até que surja a forma. Leio uma porção de livros auxiliares. Estudo, faço fichas, lista de palavras boas. Deixo que a ideia súbita cresça e germine dentro de mim, crie sua própria forma.”

Chico Buarque: “Quando escrevo um livro, trabalho sem parar, até dormindo. Às vezes, viajo para ter sossego, às vezes, fico por aqui mesmo, mas mando dizer que estou na fazenda, embora não tenha fazenda. Quando começo a escrever sei exatamente o que vai acontecer depois. Só que depois acontece outra coisa...”

Vamos à Argentina. Adolfo Bioy Casares: “Em geral componho mentalmente a história antes de começar a escrever, por gosto de inventar e também por prudência, para livrar-me da ansiedade de saber se poderei ou não resolvê-la de modo aceitável. A outra parte do meu modestíssimo método consiste em escrever diariamente. Italo Svevo tinha razão: “Não há melhor maneira de escrever com seriedade do que rabiscar um pouco todos os dias”.

Vamos a Portugal. Agustina Bessa-Luís: “Trabalho com disciplina e respeito a vontade dos meus personagens, tão reais como objeto de inspiração... Os personagens ultrapassam muitas vezes as barreiras que lhes ofereço. Às vezes tenho que matá-los para me livrar de suas críticas e exigências... Não reescrevo, infelizmente. Não me levo tão a sério que pretenda ser perfeita.”

Vamos à Inglaterra. Aldous Huxley: “Escrevo um capítulo por vez, descobrindo meu caminho à medida que prossigo. Tenho apenas uma ideia geral e, então, a coisa se desenvolve, enquanto escrevo. (...) Mas jamais estou inteiramente certo quanto ao que irá ocorrer no capítulo seguinte, enquanto não o escrevo.”

Vamos à França. Paul Valéry (este foi sintético): “Os primeiros versos te dão os deuses, o resto você tem que fazer.”

E uma curiosidade:
O escritor Stephen King conta que, num bom livro de terror, é preciso haver treze sustos.

Alguns autores tentaram, digamos assim, organizar esses processos. O mais famoso é, talvez, o norte-americano Edgar Allan Poe, no ensaio “A Filosofia da Composição”. Ele descreveu o processo que seguiu para compor o seu poema mais famoso, “O corvo”. Pretendeu, assim, provar que escrita poética não é um resultado de inspiração, mas de trabalho do autor.

Resumindo o pensamento de Poe:
• Comece seu texto literário pelo final;
• Não subestime a importância da originalidade;
• Emocione o leitor;
• Tenha consciência do efeito pretendido com seu texto;
• Escolha a extensão, o tom, a linguagem, a temática do seu texto literário a partir do efeito aspirado;
• Tenha total domínio dos recursos artísticos existentes.

As considerações acima se aplicam à produção literária, mas podem ser estendidas para a elaboração de qualquer texto, inclusive o técnico. 

(Escrito por: Joaquim Maria Botelho

Joaquim Maria Botelho é jornalista. Comandou equipes na revista Manchete, TV Globo, TV Bandeirantes e jornal Vale Paraibano. Sempre cuidou para que a elaboração das notícias permitisse entendimento claro por parte do leitor e do telespectador, fosse ele empresário ou gari. Com o mesmo espírito, atuou na Embraer, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Mestre em Crítica Literária, é autor de vários livros, além de empresário de comunicação e palestrante. Também assinou traduções do inglês (Cultrix e Global) e do espanhol (Fundação Heinrich Böll). Atualmente preside a União Brasileira de Escritores - UBE. Foi professor da Uniban e da Universidade de Taubaté, onde formou jornalistas que hoje atuam com destaque na imprensa. Seus principais livros: "Imprensa, poder e crítica", "Redação empresarial sem mistérios" e "Costelas de Heitor Batalha".)




A noite - Guy de Maupassant

Amo a noite apaixonadamente. Amo-a como quem ama o seu país ou a sua amante, com um amor instintivo, profundo, invencível. Amo-a com todos os meus sentidos, com os meus olhos que a vêem, com meu olfacto que a respira, meus ouvidos que escutam o seu silêncio, com toda a minha carne que as trevas acariciam. 

As cotovias cantam ao sol, no ar azul, no ar quente, no ar leve das manhãs claras. O mocho voa à noite, mancha negra que passa pelo espaço negro, e, radiante, inebriado pela negra imensidão, solta seu grito vibrante e sinistro.

 O dia cansa-me e aborrece-me. É brutal e barulhento. Levanto-me com dificuldade, e visto-me com lassidão, saio a contragosto, e cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento me cansa como se eu levantasse um fardo que me esmagasse.

 Mas, quando o sol se põe, invade-me uma alegria confusa, uma alegria de todo o meu corpo. Desperto, animo-me. À medida que crescem as sombras, sinto-me outro, mais moço, mais forte, mais alerta, mais feliz. Olho para a grande sombra suave caindo do céu e se adensando: ela afoga a cidade, como uma onda impalpável e impenetrável, ela esconde, apaga, destrói as cores, as formas, abraça as casas, os seres, os monumentos com seu toque imperceptível. Então sinto vontade de gritar de prazer como as corujas, de correr pelos telhados como os gatos; e um desejo de amar,impetuoso, invencível, arde nas minhas veias.

Vou, caminho, ora pelos subúrbios ensombreados, ora pelos bosques vizinhos de Paris, onde ouço rondarem as minhas irmãs, as bestas, e os meus irmãos, os caçadores clandestinos. 

O que amamos com violência sempre acaba nos matando. Mas como explicar o que acontece comigo? E, mesmo, como explicar que sou capaz de contá-lo? Não sei, já não sei, sei apenas que isso existe – pronto.

Portanto, ontem – era ontem? –, sim, sem dúvida, a menos que tenha sido antes, um outro dia, um outro mês, um outro ano – não sei. Mas deve ser ontem, já que o dia não mais raiou, já que o sol não reapareceu. Mas desde quando dura a noite? Desde quando?... Quem poderá dizer? Quem algum dia saberá?

Assim, ontem saí, como faço todas as noites, depois do jantar. Fazia um tempo muito bonito, muito suave, muito quente. Ao descer para os bulevares, olhei acima de minha cabeça o negro rio cheio de estrelas, recortado no céu pelos telhados das casas, que giravam e faziam esse riacho rolante de astros ondular como um rio de verdade.

No ar leve, tudo estava claro, desde os planetas até os bicos de gás. Tantas luzes brilhavam lá no alto e na cidade que as trevas pareciam luminosas. As noites luzentes são mais alegres que os grandes dias de sol. No bulevar, os cafés rutilavam; todos riam, passavam, bebiam. Entrei no teatro, por alguns instantes, em que teatro? Não sei mais. Lá dentro estava tão claro que me senti agoniado, e saí com o coração meio obscurecido por aquele choque brutal de luz nos dourados do balcão, pelo cintilar factício do enorme lustre de cristal, pela cortina de luzes da ribalta, pela melancolia daquela claridade falsa e crua. Cheguei aos Champs-Elysées, onde os cafés-concertos pareciam focos de incêndio no meio das folhagens. As castanheiras roçadas pela luz amarela tinham um aspecto de pintadas, um aspecto de árvores fosforescentes. E os globos de luz eléctrica, parecendo luas cintilantes e pálidas, ovos de lua caídos do céu, pérolas monstruosas, vivas, faziam empalidecer, sob sua claridade nacarada, misteriosa e imperial, os fios de gás, do feio gás sujo, e as guirlandas de vidros coloridos.

 Parei debaixo do Arco do Triunfo para olhar a avenida, a longa e admirável avenida estrelada, indo até Paris entre duas linhas de fogo e os astros! Os astros lá no alto, os astros desconhecidos jogados ao acaso na imensidão, onde desenham essas figuras estranhas que tanto fazem sonhar, que tanto fazem pensar.

 Entrei no Bois de Boulogne e lá fiquei muito tempo, muito tempo. Estava tomado por um arrepio singular, uma emoção imprevista e poderosa, uma exaltação de meu pensamento que raiava a loucura. Andei muito tempo, muito tempo. Depois voltei. Que horas eram quando tornei a passar sob o Arco do Triunfo? Não sei. A cidade adormecia, e nuvens, grossas nuvens pretas, espalhavam-se lentamente no céu. 

Pela primeira vez senti que algo estranho, novo, ia acontecer. Tive a impressão de que fazia frio, de que o ar se adensava, de que a noite, minha noite bem-amada, pesava sobre meu coração. Agora a avenida estava deserta. Só dois polícias passeavam perto da estação dos fiacres, e na rua apenas iluminada pelos bicos de gás que pareciam moribundos, uma fila de carroças de legumes ia para os Halles. Iam devagar, carregadas de cenouras, nabos e repolhos. Os cocheiros dormiam, invisíveis; os cavalos andavam no mesmo passo, seguindo a carroça da frente, sem barulho, pela calçada de madeira. Diante de cada luz da calçada, as cenouras iluminavam-se, vermelhas, os nabos iluminavam-se, brancos, os repolhos iluminavam-se, verdes; e essas carroças passavam uma atrás da outra, vermelhas como o fogo, brancas como a prata, verdes como a esmeralda. Fui atrás delas, depois virei na rua Royale e voltei para os bulevares. Mais ninguém, mais nenhum café iluminado, apenas alguns retardatários que se apressavam. Nunca tinha visto Paris tão morta, tão deserta. Puxei meu relógio, eram duas horas. 

Uma força empurrava-me, uma necessidade de andar. Portanto, fui até à Bastilha. Lá percebi que nunca tinha visto uma noite tão escura, pois nem sequer distinguia a Colonne de Juillet, cujo Génio dourado estava perdido no breu impenetrável. Um firmamento de nuvens, cerrado como a imensidão, afogara as estrelas e parecia descer sobre a terra para liquidá-la.

Retornei. Não havia mais ninguém ao meu redor. Porém, na praça Du Château-d'Eau um bêbado quase me deu um encontrão, depois desapareceu. Por algum tempo ouvi o seu passo desigual e sonoro. Eu ia andando. Na altura do Faubourg Montmartre passou um fiacre, descendo na direcção do Sena. Chamei-o. O cocheiro não respondeu. Perto da rua Drouot, uma mulher zanzava: "Ei,cavalheiro, escute". 

Apertei o passo para evitar a sua mão estendida. Depois, mais nada. Na frente do Vaudeville, um catador de trapos vasculhava a sarjeta. A sua pequena lanterna tremulava bem rente ao chão. Perguntei-lhe: "Que horas são, meu amigo?". 

Ele respondeu: "E eu lá sei! Não tenho relógio". 

Então, de repente, reparei que os lampiões de gás estavam apagados. Sei que nesta época do ano eles são apagados bem cedo, antes do amanhecer, por economia; mas o dia ainda estava longe, tão longe de raiar! "Vamos para os Halles", pensei, "pelo menos lá encontrarei vida.

Pus-me a caminho, mas não enxergava nada nem mesmo para me orientar. Ia andando devagar, como se anda num bosque, contando as ruas para reconhecê-las. Defronte do Crédit Lyonnais um cão rosnou. Virei na De Grammont, perdi-me; deambulei, depois reconheci a Bolsa pelas grades de ferro que a cercavam. Toda a Paris dormia, com um sono profundo, apavorante. Mas ao longe andava um fiacre, talvez aquele que tinha passado por mim ainda agora. Tentei alcançá-lo, indo na direcção do ruído das suas rodas, pelas ruas solitárias e negras, negras, negras como a morte. Perdime de novo. Onde estava? Que loucura apagar o gás tão cedo! Nem um passante, nem um retardatário, nem um vagabundo, nem um miado de gato apaixonado. Nada. 

Mas onde estavam os polícias? Pensei: "Vou gritar, eles virão". Gritei. Ninguém respondeu.Chamei mais alto. A minha voz foi-se, sem eco, fraca, abafada, esmagada pela noite, por aquela noite impenetrável. 

Berrei: "Socorro! Socorro! Socorro!". O meu apelo desesperado ficou sem resposta. Que horas eram? Puxei o relógio, mas não tinha fósforos. Escutei o leve tiquetaque do pequeno mecanismo com uma alegria desconhecida e estranha. Ele parecia viver. Eu já não estava tão sozinho. Que mistério! Recomecei a andar como um cego, tacteando os muros com a minha bengala, e a toda hora levantava os olhos para o céu, esperando que enfim o dia raiasse; mas o espaço estava negro, todo negro, mais profundamente negro que a cidade. 

Que horas podiam ser? Parecia que eu caminhava havia um tempo infinito, pois as minhas pernas amoleciam debaixo de mim, meu peito arfava, e eu sofria terrivelmente de fome. Resolvi bater no primeiro portão. Puxei o botão de cobre e a campainha retiniu sonora na casa; retiniu estranhamente, como se esse ruído vibrante estivesse sozinho naquela casa.

Esperei, não responderam, não abriram a porta. Toquei de novo; esperei mais – nada. Tive medo! Corri para a residência seguinte, e vinte vezes em seguida fiz a campainha ressoar no corredor escuro onde devia dormir o zelador. Mas ele não acordou – e fui mais longe, puxando com toda a força as argolas ou os botões, batendo com os pés, a bengala e as mãos nas portas obstinadamente fechadas. 

E de repente percebi que estava a chegar aos Halles. O mercado estava deserto, sem um ruído, sem um movimento, sem um carro, sem um homem, sem um molho de legumes ou um ramo de flores – as barracas estavam vazias, imóveis, abandonadas, mortas! Invadiu-me um pavor – horrível. O que estava a acontecer? 

Ah, meu Deus! O que estava a acontecer?

 Fui embora. Mas a hora? A hora? Quem me diria a hora? Nos campanários ou nos monumentos nenhum relógio batia. Pensei: "Vou abrir o vidro do meu relógio e sentir os ponteiros com os dedos". Puxei o meu relógio... ele já não funcionava... estava parado. Mais nada, mais nada, mais nenhum arrepio na cidade, nenhum clarão, nenhum vestígio de som no ar. Nada! Mais nada! Nem mesmo o ruído longínquo do fiacre andando ― mais nada! Eu estava nos cais, e subia do rio uma brisa glacial.

O Sena ainda corria? Quis saber, encontrei a escada, desci... Eu não ouvia a torrente encapelando sob os arcos da ponte... Mais degraus... depois, areia... lama... depois a água... molhei o braço... ele corria... frio... frio... frio... quase gelado... quase seco... quase morto. E senti perfeitamente bem que nunca mais teria força para subir de novo... e que ia morrer ali... eu também, de fome, de cansaço, e de frio. 


Tradução de Rosa Freire D'Aguiar 
Extraído de “Contos fantásticos do século XIX “, organização de Ítalo Calvino, Companhia das Letras, São Paulo.